Produção industrial cai em julho: as ilusões de cada dia

A queda na produção física industrial em julho (-0,2% na indústria em geral e -0,6% na indústria de transformação, em relação ao mês anterior), publicada pelo IBGE nesta terça-feira, dia 04/09, deveria repor certas ilusões nos seus devidos termos – ou acabar com elas. Afinal, como dizia aquele personagem de Machado, “antes cair das nuvens, que de um terceiro andar”.

Outra vez, é impossível atribuir tal resultado à greve dos caminhoneiros. Como observou o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), o resultado que podia ser consequência da greve (12,4% na produção da indústria de transformação em maio) já foi mais do que reposto pelos +14,4% da produção de junho (ambas as percentagens são comparações com o mês anterior e referentes à indústria de transformação).

Em julho, aliás, todos os setores da indústria, com uma exceção, tiveram queda na produção:

– Bens de produção: -6,2%;

– Bens de consumo: -1,2%;

– Bens intermediários: +1%.

Dentro da indústria de transformação, as principais quedas foram na fabricação de:

– produtos alimentícios: -1,7%;

– móveis: -1,7%;

– produtos de metal: -1,5%;

– Máquinas e materiais elétricos: -1%;

– calçados e artefatos de couro: -5,4%;

– produtos de minerais não-metálicos: -3%;

– equipamentos eletrônicos e ópticos: -7,2%;

– veículos automotores: -4,5%.

É possível fazer malabarismos estatísticos para dizer que o quadro não é ruim ou podia ser pior (afinal, tudo pode piorar…).

Mas isso não muda a realidade de que, com as quedas anteriores, o que esses números mostram é uma monstruosa depressão do consumo interno, e, como consequência, uma indústria em agonia.

Como disse o estatístico do IBGE que anunciou o resultado, André Macedo, a produção industrial do país regrediu nove anos: “É uma indústria que permanece operando em um determinado patamar, sem indicar que há uma recuperação. A gente não sai desse patamar maio de 2009”.

Sem expandir o consumo – portanto, o mercado interno – é impossível sair dessa situação. O arrocho salarial e o saque aos direitos trabalhistas (incluindo a miserabilidade das aposentadorias) só farão com que a indústria, por falta de compradores para seus produtos, vá, como dizia aquele pensador esportivo, para o vinagre.

CAMINHO

Infelizmente – é dessas ilusões que nós falamos no começo deste artigo – existe quem pretenda que a saída da indústria está no mercado externo.

Veja-se, p. ex, um “paper” recentemente publicado pelo IEDI, “Comércio exterior – o caminho para um Brasil mais competitivo”, escrito por um ex-“consultor sênior” do BID e ex-secretário de Comércio Exterior do governo Dilma Rousseff.

O texto é uma coleção de lugares-comuns sobre a “globalização”, a suposta “falta de inserção” do Brasil no mundo, etc., etc., e críticas a uma – também suposta – estreiteza de visão, daqueles que querem um desenvolvimento “para dentro”.

Essa repetição de clichês não teria importância, se o seu autor não fosse, hoje, “diretor de estratégias corporativas” da maior empresa brasileira na fabricação de máquinas e equipamentos elétricos.

O cômico, nesse texto, é que os exemplos citados por ele, que deveríamos seguir (Estados Unidos, Alemanha, Japão, China), são de países que se preocuparam, primeiro, em desenvolver o seu mercado interno. Até mesmo o outro exemplo citado, a Coreia do Sul, deslanchou sua industrialização tendo como foco a reconstrução dessa parte da Coreia e o aumento da capacidade de consumo – ou seja, o mercado interno.

Aliás, em relação aos dois desses países que são comparáveis ao Brasil em tamanho e recursos naturais (EUA e China), a base de seu crescimento sempre foi o mercado interno.

Quanto aos EUA, nunca houve dúvidas. Quanto à China, a única dúvida possível seria alguém provar que os 14 trilhões de dólares de seu PIB são consequência de 2 trilhões em exportações e um saldo comercial de 400 bilhões de dólares…

O crescimento chinês sempre teve por base o mercado interno – mais ainda, nos últimos anos.

Sem uma base interna é impossível à indústria crescer (isto é, crescer “sustentadamente”), exposta às tempestades e vicissitudes do mercado externo, sobretudo nos tempos atuais, onde existem os monopólios industriais e financeiros dos países centrais – e onde existem governos, nos EUA e outros países, que fazem a política externa que for mais conveniente para esses monopólios.

Nem com o mais brutal arrocho salarial, nem com a mais total ausência de direitos trabalhistas (é isso o que alguns chamam de “competitividade”), é possível manter posições fora do Brasil, sem que o principal seja, exatamente, o mercado interno.

Aliás, toda a história econômica do Brasil é uma demonstração desta verdade.

Certamente, uma empresa isolada pode se sair bem – e até muito bem – no mercado exterior, durante algum tempo.

Mas isso acaba – e não são as empresas isoladas o assunto do “paper” publicado pelo IEDI, mas o país, ou o conjunto de suas empresas.

Para o conjunto das empresas nacionais, o mercado exterior será uma quimera, se a sua base não for interna.

Porém, para que o mercado interno seja o principal, é preciso aumentar a capacidade de consumo, vale dizer, o valor real dos salários.

C.L.

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