No fim da década de 90, o governo russo decidiu condecorar Gely Korzhev com a Ordem da Amizade e com a Ordem por Serviços Prestados à Pátria.
Sobre o homenageado, não havia dúvida: tratava-se de um dos maiores pintores russos, senão, naquele momento, entre aqueles em atividade, o maior pintor russo.
Entretanto, Gely Korzhev recusou ambas as medalhas.
Em uma nota, explicando sua recusa, escreveu:
“Nasci na União Soviética e acreditei sinceramente nas ideias e ideais da época. Hoje, eles são considerados um erro histórico. Agora, a Rússia tem um sistema social diretamente oposto ao que eu, como um artista, fui criado. A aceitação de um prêmio concedido pelo Estado seria igual a uma confissão da minha hipocrisia ao longo da minha carreira artística. Peço que considerem a minha recusa com o devido entendimento” (cf. Anna Dyakonitsyna, “Gely Korzhev: I have the right”, The Tretyakov Gallery Magazine, nº 3/2016).
Korzhev fez isso quando não faltavam artistas – ou supostos artistas – que insultavam a herança soviética, aquela que lhes proporcionou alguma formação, a começar pelos cavalheiros que podiam ser encontrados na rua Arbat, especialistas em pastiches – aliás, ruins – de Modigliani, Picasso e outros pintores ocidentais. Eles mesmos, aliás, eram pastiches da caricatura que, no ocidente, se faz dos artistas (eu lá estive, leitor, e vi com esses olhos que a terra há de comer).
Posteriormente, em 2001, numa entrevista, Korzhev diria:
“Em relação àqueles que hoje dirigem o país, tenho, como Saint-Exupery disse, uma profunda antipatia. Esses círculos que atualmente estão florescendo, e estão agora em primeiro plano, não me interessam. Como artista, não vejo absolutamente nenhum sentido em estudar essa parte da sociedade. As pessoas que não se encaixam nesse padrão, no entanto, agora são interessantes. Os homens ‘supérfluos’, os marginalizados, hoje eles são muitos. Os rejeitados, expulsos da vida normal, indesejados no clima atual… Estou interessado em seu destino, em sua luta íntima. Para mim, eles são os verdadeiros heróis, dignos do artista”.
São assim, em seus quadros, os alcoólatras de “Levanta, Ivan!” (1995), “Última dose” (1995) e “Adão Andreevich e Eva Petrovna” (1998).
Mas também é assim o soldado que perdeu a perna na guerra e a mulher do povo de “Encontro” (1993). Ou o ex-combatente de “A neta do soldado” (e a própria neta, em sua completa inconsciência). Ou a mulher de “Direito aos filhos revogado” (2006).
São aqueles que perderam o que tinham com a queda da URSS – isto é, os que perderam o que era público, pois a propriedade pública era, sobretudo, a propriedade que eles tinham, a propriedade do povo – que se tornam, a partir de 1992, o objeto da arte de Gely Korzhev.
Ao longo de sua trajetória – quando faleceu, tinha 87 anos – ele realizou várias séries de obras sobre determinados temas e revisitou sempre alguns temas.
Mas o acontecimento que decidiu a sua vida e a sua obra foi a II Guerra Mundial, isto é, a invasão da URSS pelos nazistas e a luta para derrotá-los.
Aos 16 anos, ele apresentou-se para
combater como fuzileiro. Nas suas palavras:
“Fui aceito na Escola de Arte em agosto de 1939 e, em 1º de setembro, estourou uma guerra na Europa. Somos a geração da guerra. Alguns de nós lutamos na frente, outros não. Mas todos nós crescemos à sua sombra.”
Os professores da Escola de Arte
V.I. Surikov, de Moscou, protestaram contra a decisão de Korzhev de
ir para a linha de frente – consideravam-no um aluno muito
promissor, em especial seu orientador direto, Sergei Gerasimov (v. O
realismo socialista na pintura (V): Sergei Gerasimov).
Korzhev acabou sendo retirado de
Moscou para Voskresenskoe, onde passou três anos, com outros alunos
da sua escola.
Duas obras, em especial, após a II
Guerra, tornaram Korzhev um artista reconhecido na URSS.
A primeira foi o tríptico “Os
Comunistas” (1960); a segunda, a série “Queimados pelo
Fogo da Guerra”, iniciada em 1963.
Apesar dos temas, nem a crítica mais à direita, na Rússia de hoje, nega que são obras-primas.
Não é apenas a maestria do pintor em suas pinceladas, mas o modo como ele aborda seus temas. São obras realizadas com uma vontade extrema de apresentar assuntos, já abordados por outros, de outra forma.
Por exemplo, o centro do tríptico “Os Comunistas” – a tela “Levantando a bandeira” – ou a tela “Nuvens de 1945”.
É interessante o modo de aproximação da realidade – se podemos chamar assim – de Gely Korzhev. Sobre a tela “Namorados” (1959), disse ele:
“…. há [na obra] um
eco da guerra. Foi doloroso trabalhar nela. Primeiro, imaginei uma
cena: a praia, duas figuras e uma motocicleta. Isso veio a mim
instantaneamente. Mas quem essas pessoas eram, como eram suas
histórias de vida – eu não sabia. A composição não se encaixava.
Por acaso, encontrei um homem mais velho que trabalhava como
assistente de laboratório em um instituto de pesquisa. Quando era
muito jovem, ainda menino, participou da Guerra Civil e organizou
kolkhozes [cooperativas agrícolas]. No início da Segunda
Guerra Mundial, ele se juntou voluntariamente à infantaria. Foi
ferido na frente. A vida do homem, tão intimamente entrelaçada com
a vida da Rússia, me pareceu muito interessante e significativa. Eu
percebi que essa pessoa era querida e próxima de mim, e ele se
tornou o herói da minha pintura. A minha ideia inicial ficou cheia
de significado, o conteúdo foi materializado e a pintura ganhou
vida.”
Ou, sobre “Nuvens de 1945”:
“A guerra acabou, ele perdeu uma perna, mas ainda está feliz. Ele olha para as nuvens, sente o cheiro da grama: a vida venceu.”
É interessante que esse artista tenha, também, durante 30 anos, realizado obras de tema religioso – ou, melhor, bíblico e evangélico. Segundo sua filha, Anastasia, Korzhev não era um homem religioso. Mas sentiu, nos episódios bíblicos, a possibilidade de dizer algo sobre o presente.
Entretanto, ele tratou os episódios
bíblicos como episódios históricos – e não religiosos. Até
mesmo a cura do cego, por Jesus, é tratada como um acontecimento
histórico. Aliás, o nome que escolheu para essa série foi “A
Bíblia pelos olhos de um realista socialista” (cf. Ksenia
Karpova, Gely
Korzhev’s Biblical Cycle: Hard steps towards truth, The
Tretyakov Gallery Magazine, nº 3/2016).
A série foi iniciada após a morte
dos pais de Gely Korzhev, em 1986. Antes disso, ele iniciara outra
série: tal como o nosso Portinari, Korzhev fez de Dom Quixote um
tema da sua pintura.
“Quando estudante, eu já era fascinado pela imagem desse destemido campeão da justiça”, disse, depois, Gely Korzhev. “Não se deve ‘culpar’ Cervantes por isso – pois também tinha a ver com a nossa família. A atitude de meu pai em relação à vida, suas atividades e fracassos, me lembraram esse incansável buscador da verdade. Quanto à minha mãe, bem, ela era exatamente como Sancho Pança. Mesmo a aparência de ambos – meu pai, alto e magro, e minha mãe, redonda e bastante pequena – estavam de acordo com esses personagens literários. Mas não era só isso. Naturalmente, nunca passou pela minha cabeça que eu deveria usar isso para criar o retrato da minha família. Foi mais complicado. Foi importante para entender, e depois comunicar através da minha arte, a nobreza e generosidade do espírito humano, e a vontade dos seres humanos de realizar feitos de valor para um propósito nobre”.
Aqui, há uma questão de essência
no pensamento e na arte de Gely Korzhev: a de que é possível chegar
à verdade – e a de que esse é o objetivo da arte.
Daí a série dos “mutantes” – monstros horrorosos – que ele pintou na época de Gorbachev e sua “perestroika”:
“A realidade russa contemporânea que Korzhev observou nas últimas décadas de sua vida não inspirou o mestre a criar obras de heroísmo, nem a elogiar o triunfo do espírito humano. Aos olhos de Korzhev, as pessoas haviam se tornado menores e mais mesquinhas. Tomadas por preocupações cotidianas triviais, procuravam apenas satisfazer seu orgulho burguês e suas necessidades humanas básicas. Talvez não seja coincidência que, durante esse período, Korzhev tenha imaginado para seu neto uma besta fantástica, que posteriormente deu origem à grande série Mutantes (sendo esse nome, como o próprio Korzhev colocou, um pouco ‘abstrato e difícil de explicar’). Os heróis dessa série são mutantes de diferentes formas e tamanhos: meio-animais, meio-pássaros, possuindo todas as falhas e fraquezas dos seres humanos. A pungência e a ressonância inesperada da série foram tais que, durante algum tempo, o trabalho de Korzhev passou a ser visto como de um grupo com o qual o mestre certamente não teria se associado [isto é, o surrealismo]” (cf. Anna Dyakonitsyna, art. cit.)
Os Mutantes de Korzhev têm parentesco, já observaram alguns, com as obras de Hieronymus Bosch, no século XV (por exemplo, o quadro da direita do tríptico O Jardim das Delícias).
Por fim, uma observação sobre as “naturezas-mortas” de Gely Korzhev.
Geralmente, estamos acostumados a conceber por “natureza-morta” um quadro com algumas frutas – às vezes algumas flores, garrafas, vasos e outros objetos.
Korzhev vai além disso, sem transgredir a definição geral do que é uma “natureza-morta”. Veja-se, abaixo, sua “Natureza-morta social”, de 1992, ou sua “ Natureza-morta com martelo e foice”, de 2004.
Aqui, é preciso considerar que o próprio Korzhev declarou que “eu sou mais um pintor de naturezas-mortas do que qualquer outra coisa“.
Em que sentido ele disse isso? Vejamos suas próprias afirmações:
“Devemos pensar naturezas-mortas em termos psicológicos. Os objetos são humanos: um livro, um bule de chá, uma cesta, um tapete, etc. O que importa é definir a situação do proprietário desses objetos: suas preocupações, pensamentos e estilo de vida.”
Em suma, o que importa é o ser humano nos objetos.
Gely
Korzhev nasceu em Moscou, no ano de 1925.
Foi presidente do Conselho da União dos Artistas da Rússia (1968-1975) e membro pleno da Academia de Artes da URSS.
Recebeu o Prêmio do Estado da URSS (1987) e o Prêmio Repin do Estado da Rússia (1966).
Foi professor da Escola de Arte S. G. Stroganov, em Moscou.
Gely Korzhev – aliás, Gely Mikhailovich Korzhev-Chuvelyov – faleceu em 2012, também na cidade de Moscou.
Algumas obras de Gely Korzhev:
Irmão e irmã (1943, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)– da série “Crianças da Guerra“.
O menino com camisa vermelha (1943, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)– da série “Crianças da Guerra“.
Monastério de Ipatiev (1947, óleo sobre tela, col. particular)
Retrato de uma jovem (1948, óleo sobre tela, col. particular)
Manhã (1951, óleo sobre papelão, col. particular)– este seria um dos temas mais constantes de Gely Korzhev.
Estudo para a tela “Manhã” (1952, óleo sobre tela, col. particular) – este estudo se refere à tela seguinte.
Manhã (1952, óleo sobre tela)
Retrato de mulher (1952, óleo sobre papelão, col. particular)
Nu no banheiro (s/d, óleo sobre tela, col. particular)
Autorretrato (1953, óleo sobre tela, col. particular)
Estudo para a tela “Nos dias da guerra” (1953, óleo sobre tela, col. particular)
Nos dias da guerra (1954, óleo sobre tela, Galeria de Belas Artes do Uzbekistão, Tashkent) – note o leitor a diferença entre o estudo e a tela final: entre outras coisas, houve uma intensificação do efeito emocional; a figura de Stalin, no estudo acima, tirava o foco do quadro, uma representação da época em que o artista, durante a II Guerra, foi retirado, em condições difíceis, de Moscou para Voskresenskoe.
Minha vizinha (1954, óleo sobre tela, col. particular)
Minha vizinha vista da rua (1954, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)
Paris (1954, óleo sobre tela, col. particular)
Paris (1954, óleo sobre tela, col. particular)
A mesa na janela (1956, óleo sobre papelão, col. particular)
Janela (1956, óleo sobre papelão, col. particular)
Triagem (1957, óleo sobre tela, Museu Nacional de Arte Russa de Kiev, Ucrânia) – na guerra, os pontos de bloqueio estabelecidos pelos alemães para revistar, impedir o livre trânsito da população soviética sob ocupação – e identificar membros da resistência.
Manhã (1958, óleo sobre tela, col. particular)
Mulher em azul (1959, óleo sobre tela, col. particular)
Namorados (1959, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo)– uma das obras-primas de Korzhev, em que a guerra é o pano de fundo; mas tanto esta quanto a natureza da relação dos personagens, não aparecem explicitamente; uma sutileza pouco comum, mesmo nas mais elevadas obras de arte.
Homero – esta é a tela da esquerda do tríptico “Os Comunistas” (1959-1960, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo)
A Internacional – tela da direita do tríptico “Os Comunistas” (1959-1960, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo)
Levantando a bandeira – esta é a tela central do tríptico Os Comunistas (1959-1960, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo)
Este é o tríptico “Os Comunistas”, com suas três telas(1959-1960, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo)
O artista (1960, óleo sobre tela, Galeria Estatal Tretyakov, Moscou)
A datilógrafa (1961, óleo sobre tela)
Pedreira (1961, óleo sobre papelão, col. particular)
Na estrada (1962, óleo sobre tela) – Korzhev não ignorou, em sua arte, as dificuldades do povo, mesmo bem antes da queda da URSS; este quadro é um exemplo; outro, “Na sala de espera”, veremos em seguida.
Na sala de espera (1968, óleo sobre tela, col. particular)
Cantor cego (1964, óleo sobre tela, Galeria de Arte de Lviv, Ucrânia) – este quadro faz parte da série Queimados pelo Fogo da Guerra.
Vestígios da guerra (1962-1964, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo) – também da sérieQueimados pelo Fogo da Guerra.
Adeus (1967, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo) – da série Queimados pelo Fogo da Guerra.
Alerta (1968, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA) – da série Queimados pelo Fogo da Guerra.
Em frente ao espelho (1976, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)
Primavera de 1945 (1976, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)
Estudo (1979, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)
Natureza-morta com jarros (1979, óleo sobre tela)
Autorretrato (1980, óleo sobre tela)
Natureza-morta com jarros (1980, óleo sobre tela)
O voo de Yegorka (1976-1980, óleo sobre tela, Galeria Estatal Tretyakov, Moscou)– este é um dos quadros de Gely Korzhev que mais provocou controvérsias e interpretações; o próprio artista afirmou que esta era uma de suas obras “mais russas. A cor da Rússia, nossa grama, terra, céu… e nossa tragédia nacional russa…”. É uma espécie de Ícaro – ou Dédalo – russo, estatelado no chão. Como se, em 1980, o artista estivesse prevendo a tragédia de alguns anos depois.
Reunião (1980, óleo sobre tela) – outra vez, a guerra como pano de fundo.
Armário (1982, óleo sobre tela, col. particular) – uma natureza-morta bastante peculiar.
Natureza-morta com balança antiga (1983, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo)
Armário (1984, óleo sobre tela, União dos Artistas da Rússia, Moscou)
Copo de leite (1984, óleo sobre tela, Galeria Estatal Tretyakov, Moscou)
Dom Quixote e Sancho Pança (1984, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)
Uma conversa (1985, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo) – esta tela, quando exposta em 1985, foi interpretada como um ataque à burocratização na cúpula do governo soviético e do Partido Comunista. O modo simples com que Lenin conversa com o camponês era a antítese do comportamento da maioria dos dirigentes na década de 80. Korzhev, portanto, criticava através de – nada mais, nada menos – Lenin. E ninguém podia dizer que o quadro não era verdadeiro, não correspondia a uma verdade.
Dom Quixote e Sancho (1980-1985, óleo sobre tela, Museu Estatal Russo, S. Petersburgo)
A zeladora (1985, óleo sobre tela, col. particular)
Nuvens de 1945 (1985, óleo sobre tela, Galeria Estatal Tretyakov, Moscou) – acima, reproduzimos o comentário do próprio artista sobre esta obra, uma das mais importantes (“A guerra acabou, ele perdeu uma perna, mas ainda está feliz. Ele olha para as nuvens, sente o cheiro da grama: a vida venceu”). Compare-se esta obra com “Encontro”, de 1993, onde também há um soldado que perdeu a perna = mas nenhuma felicidade.
Retrato dos pais (1985, óleo sobre papelão, col. particular)
Terrina de sopa e vasos (1985, óleo sobre tela, Galeria Estatal Tretyakov, Moscou)
Anunciação (1987, óleo sobre tela, col. da família do artista) – o primeiro quadro “bíblico” de Gely Korzhev.
Solidão (1987, óleo sobre papelão, col. particular)
Marusya (1983-1989, óleo sobre tela, col. particular)
O desertor (1992, óleo sobre tela) – este quadro e o próximo formam um díptico, isto é, dois quadros que devem ser exibidos um ao lado do outro.
A lavadeira (1990, óleo sobre tela)
Este é o díptico. O lençol entre o desertor e a esposa indica o afastamento da mulher – que trabalha arduamente – diante de um marido que não cumpriu o seu dever para com a pátria. Ela não se comove com o esmagamento do desertor pela vergonha. O lençol que serviria para uni-los, agora é a fronteira da separação.
O açougueiro (1990, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA) – esta obra faz parte da série “Mutantes”, pintada por Korzhev na época da “perestroika”.
Natureza-morta social (1992, óleo sobre tela, col. particular)– aqui é explícita a concepção de Korzhev sobre as naturezas-mortas: “Os objetos são humanos: um livro, um bule de chá, uma cesta, um tapete, etc. O que importa é definir a situação do proprietário desses objetos: suas preocupações, pensamentos e estilo de vida”.
Encontro (1993, óleo sobre tela, col. particular) – compare-se esta rela com “Nuvens de 1945”.
Judas (1993, óleo sobre tela, col. particular) – eis uma tela bíblica em que comentários são dispensáveis, considerando que foi terminada um ano depois da queda da URSS.
Chamada noturna (1995, óleo sobre tela, col. particular)
Dom Quixote em dúvida (1995, óleo sobre tela, col. particular)
Levanta, Ivan! (1995, óleo sobre tela, Instituto de Arte Realista Russa, Moscou) – uma das telas de Korzhev sobre os que perderam com a queda da URSS.
O outono dos ancestrais (1995, óleo sobre tela, col. da família do artista) – aqui, Adão e Eva, expulsos do Paraíso, são retratados na velhice. O leitor pode comparar com a tela abaixo.
O outono dos ancestrais (1997-2000, óleo sobre tela, col. particular) – nesta tela, pintada depois da anterior, Adão e Eva na velhice parecem mais serenos, mas, nem por isso, felizes.
Última dose (1995, óleo sobre tela, col. particular) – outra obra na mesma linha de “Levanta, Ivan!”.
Dom Quixote derrotado (1997, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA)
Natureza-morta com autorretrato (1997, óleo sobre tela, Museu de Arte Russa, Minneapolis, EUA) – aqui, Korzhev introduz um elemento novo em uma natureza-morta: ele mesmo. O tratamento que dá ao autorretrato não é diferente do tratamento aos objetos inanimados.
Adão Andreevich e Eva Petrovna (1996-1998, óleo sobre tela, col. particular) – uma atualização do tema de Adão e Eva à realidade russa dos anos 90.
Dulcinéia e o cavaleiro (1998, óleo sobre tela, col. particular)
Expulsos do paraíso (1998, óleo sobre tela, col. particular) – alguns críticos ressaltaram como, nesta obra, Adão tem um especial carinho por Eva. Existe outra coisa a ressaltar: a que paraíso a tela faz referência? Ainda que o socialismo na URSS não tenha sido o paraíso, o que veio, na década de 90, era próximo do Inferno. Por fim, note o leitor que o Adão deste quadro é o mesmo que aparece acima, no casal de alcoólatras que compõe “Adão Andreevich e Eva Petrovna”.
A nova palavra de ordem (1998, óleo sobre tela, Instituto de Arte Realista Russa, Moscou) – uma obra alusiva aos retrocessos na Rússia, em especial, nessa imagem, na condição das mulheres do povo.
À sombra da cruz (1998-1999, óleo sobre tela, col. particular) – Gely Korzhev jamais foi um homem religioso. Mas deixou uma série de pinturas “bíblicas” magníficas, em especial às que têm Jesus Cristo como centro.
Carregando a cruz (1999, óleo sobre tela, col. da família do artista)
O cego recupera a visão (1999, óleo sobre tela, col. da família do artista)
Tristeza (1999, óleo sobre tela, col. particular)
Anunciação (2000-2005, óleo sobre tela, col. da família do artista) – esta segunda obra (a primeira, acima, foi em 1987) sobre o anúncio da vinda de Cristo à sua mãe, parece bem mais serena.
Os difíceis passos até à verdade (2000, óleo sobre tela, col. da família do artista) – Korzhev procurou, nesta tela, caracterizar os apóstolos como homens do povo. O meio é desértico. Entretanto, por mais difícil que seja o caminho para a verdade, é este o caminho que escolhem.
A neta do soldado (2004, óleo sobre tela, Instituto de Arte Realista Russa, Moscou) – aqui, comentários sobre como Korzhev enxergava o seu país, após 1992, são dispensáveis.
Natureza-morta com martelo e foice (2003, óleo sobre tela, col. particular)
Reféns (2001-2004, óleo sobre tela, Casa Central dos Artistas, Moscou)– a alusão (ou mais que isso, pois os nazistas aparecem no fundo do quadro) é à II Guerra; mas, na primeira década do século XXI, após a queda da URSS, Korzhev considera todo o povo como refém.
Manhã nublada (2006, óleo sobre tela, Instituto de Arte Realista Russa, Moscou) – o artista tinha 81 anos quanto realizou esta obra; compare-se com a “Manhã” de 1951 (acima), quando ele tinha 26 anos.
Maria na cova (2009, óleo sobre tela, col. da família do artista)
Vade retro, Satanas! (2009, óleo sobre tela, col. da família do artista)
As últimas horas na Terra (2000-2012, óleo sobre tela, col. da família do artista)
Direito aos filhos revogado (2006, óleo sobre tela, col. particular) – esta obra é uma das principais entre aquelas que Korzhev dedicou à Rússia pós-URSS, como “Levanta, Ivan!” (1995), “Última dose” (1995) e “Adão Andreevich e Eva Petrovna” (1998).