CPMI: defensora pública frustra bolsonaristas e aponta fraudes no INSS desde 2019

Fraude estimada pela PF foi de R$ 6,3 bilhões, valor referente ao período de 2019 até 2024. Prejudicados demoravam, em média, de 2 meses a 1 ano para perceber as fraudes, segundo a coordenadora

A CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do INSS não começou como os bolsonaristas queriam. Isto porque a primeira testemunha a depor, a defensora pública Patrícia Bettin Chaves, afirmou a senadores e deputados, na quinta-feira (28), que o primeiro caso de fraude de que se recorda ocorreu entre 2018 e 2019.

Portanto, entre o final do governo de Michel Temer (MDB) e o início da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As irregularidades, de acordo com ela, afetaram principalmente idosos de baixa renda e moradores de comunidades remotas.

Coordenadora de Assuntos de Previdência Social na DPU (Defensoria Pública da União), Patrícia explicou que havia padrão nas fraudes. Entre as mais de 30 entidades — associações e sindicatos —, autorizadas a descontar mensalidades associativas na folha, algumas falsificavam a autorização de milhares de aposentados e pensionistas que, sem saber, se tornavam associados a essas organizações.

FRAUDES ATÉ POR MEIO DE IA

As associações fraudaram assinaturas ou autorizações por gravação telefônica — até com uso de inteligência artificial — segundo ela. Os termos de adesão eram então comunicados ao INSS, que fazia o desconto automático do benefício, em favor das associações.

“Os valores variavam em torno de R$ 30 a R$ 90. Normalmente, os serviços oferecidos são de assistência jurídica, planos odontológicos e academias. Acontece que os beneficiados não tinham conhecimento sequer dos serviços”, disse Patrícia, com base na atuação dela na DPU.

Reunião da CPMI realizada na quinta-feira (28) (Foto: Lula Marques – Agência Brasil)

A fraude estimada pela PF (Polícia Federal) foi de R$ 6,3 bilhões, valor referente ao período de 2019 até 2024. Os prejudicados demoravam, em média, de 2 meses a 1 ano para perceber as fraudes, segundo a coordenadora.

O depoimento dele mostrou os avanços recentes. Em março de 2024, o INSS editou a Instrução Normativa nº 162, que proibiu descontos associativos automaticamente no momento da concessão do benefício, autorizando-os apenas mediante biometria ou reconhecimento facial.

PERÍODO

Patrícia Bettin participa de grupo criado pelo MPF (Ministério Público Federal) e composto por diversos órgãos para atuar no combate às fraudes do INSS. Mas ela só passou a se dedicar permanentemente ao trabalho a partir de fevereiro de 2024, após os integrantes constatarem o aumento dos descontos ilegais e assim intensificaram os esforços, afirmou. 

O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) afirmou que o aumento de irregularidades se refere ao grande número de acordos de cooperação técnica assinados entre associações e sindicatos com o INSS na gestão do ex-presidente.

O acordo é o que permitia o desconto automático de mensalidades.

Para Patrícia, a fraude ultrapassa governos, já existia há muito tempo e foi sendo aperfeiçoada com o tempo.

“Vários fatores contribuíram: a falta de transparência, a falta de controle, a falta de exigência de biometria. A fraude ultrapassa governos, de direita ou esquerda”, disse a defensora.

O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) denunciou que “houve explosão de entidades fantasmas e descontos sem autorização durante o governo Bolsonaro”.

Por sua vez, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, lembrou que o vazamento de dados pessoais e o uso indevido da biometria foram decisivos para o esquema, lembrando que medidas de proteção chegaram a ser propostas em 2019, mas foram vetadas pelo então presidente Jair Bolsonaro.

O senador ressaltou que a suspensão dos descontos – determinada pela atual gestão, após a deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, em abril deste ano – poderia ter evitado parte das perdas, caso tivesse sido adotada anos antes.

REVALIDAÇÃO

Ela defendeu a proibição do desconto automático de associações e sindicatos em benefícios previdenciários, como prevê projeto do deputado Sidney Leite (PSD-AM), que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados — PL 1.846/25.

Outra alternativa para acabar com as fraudes, afirmou, seria exigir do INSS a revalidação anual dos termos de adesão.

“Havia uma determinação de que seria feita a revalidação desses descontos [pelo segurado do INSS] de forma anual. Mas a legislação foi alterada: prevê que não haveria mais a necessidade de ser revalidada a cada ano. Isso prejudicou em muito os segurados do INSS”, disse.

O deputado Alencar Santana (PT-SP) citou outra medida provisória — MP 1.107/22 —, do governo Bolsonaro, que levou ao fim da revalidação obrigatória ao ser transformada na Lei 14.438, de 2022.

A revalidação de todos os descontos foi uma das recomendações do TCU (Tribunal de Contas da União) ao INSS em 2024, após auditoria sobre as deduções ilegais. O INSS recorreu da decisão alegando dificuldade para implementar a medida. Até então, a Instrução Normativa 162, de março de 2024, previa que apenas novos descontos exigiriam a autorização do segurado por meio de biometria e de reconhecimento facial.

AUSÊNCIA DE RESPOSTAS

Patrícia Bettin disse que o INSS deixou de adotar algumas recomendações do GT e não respondeu a alguns comunicados. Por outro lado, o órgão acatou sugestões, principalmente para melhorar a comunicação com os segurados, disse.

“Dentro do grupo, conseguimos melhorar os canais de comunicação. Conseguimos possibilitar que os assistidos pudessem fazer a exclusão dos pedidos de descontos ativos através dos canais do 135 [Central de Atendimento do INSS], porque muitos da população que nós atendemos não têm acesso aos meios digitais.”

FRUSTRADOS

As respostas da defensora pública deixaram a oposição frustrada, pois esperavam falas que jogassem as irregularidades no colo do atual governo. Os bolsonaristas, então, passaram provocar, a responsabilizá-la e à própria Defensoria pelas irregularidades.    

O senador Izalci Lucas (PL-DF) acusou a instituição de omissão diante de convênios irregulares com entidades como a Contag e o Sindinap, que concentraram 72% dos R$ 12,5 bilhões em descontos desde 2008.

Patrícia rebateu as críticas, afirmando que a DPU questionou os acordos no Grupo de Trabalho Interinstitucional e atua em ações civis públicas. “A Defensoria apontou falhas e está habilitada nos processos. Cumprimos nosso papel institucional de defesa dos aposentados e pensionistas”, respondeu.

O senador Marcos Rogério (PL-RO) foi um dos que perderam a estribeira e chegou a bater boca.

Os bolsonaristas quiseram intimidar e acusar a defensora sobre uma possível prevaricação, pelo fato de não ter supostamente se aprofundado nas investigações. Ela rebateu, reafirmando que “a função da Defensoria Pública da União não é investigar”.

Questionada pelo senador Marcos Rogério sobre possíveis negligências, ela voltou a rebater.

Marcos Rogério: A senhora identificou descontos indevidos, falhas no mecanismo de controle do INSS e recomendou proteção. A pergunta: na sua visão foi negligência administrativa, cegueira deliberada ou favorecimento ao criminoso de fazer os descontos?

Patrícia: Essa pergunta eu respondi que preferia não responder. Você está perguntando a minha visão

Ao responder que não iria emitir opiniões pessoais, ela recebeu aplausos.

Marcos Rogério: Se a pergunta é ‘na sua opinião’, é na sua visão como profissional. Se a senhora está com dificuldade de entender a pergunta, eu vou fazer de novo

Patrícia: Não, eu não estou com dificuldade. Talvez você esteja com dificuldade de fazer a pergunta.

RESSARCIMENTO

Além de investigar as fraudes é preciso ressarcir os beneficiários que foram lesados. Nesse sentido, a defensora apontou que a DPU conduziu acordo no STF (Supremo Tribunal Federal) para que os prejudicados possam receber rapidamente o dinheiro de volta.

No entanto, quem aderir ao acordo não terá direito a indenização por dano moral e nem poderá entrar com processo judicial sobre o assunto. Quem rejeitar o acordo ainda pode receber o dinheiro de volta e a indenização extra após ação na Justiça, mas com risco de maior demora.

A senadora Leila Barros (PDT-DF) afirmou que o caminho mais justo seria o ressarcimento imediato dos aposentados lesados, enquanto o Estado busca recuperar o dinheiro roubado. Ela criticou as objeções ao uso de dinheiro emergencial para os aposentados.

“Esse dinheiro, que é público, ajuda inúmeras situações aqui dentro do nosso País, como situações fiscais, socorro aos Estados na parte fiscal, urgências climáticas. O discurso é bonito quando a gente vai defender inúmeros setores, mas para os aposentados é o dinheiro do contribuinte que nós estamos pegando para ajudar”.

Em julho, o governo federal editou medida provisória que abriu crédito extraordinário ao Orçamento da União no valor de R$ 3,3 bilhões para ressarcir os prejudicados — MP 1.306/25.

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