Abate de barco do narcotráfico é fake, denuncia Venezuela ao condenar provocação de Trump no Caribe

“Verdadeiro interesse de Washington na Venezuela é o petróleo e gás, que eles querem de graça”, assinalou o presidente venezuelano

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou nesta terça-feira (2), em coletiva de imprensa no Salão Oval da Casa Branca, que forças norte-americanas atacaram e destruíram no mar do Caribe um barco “com drogas, muitas drogas” que supostamente teria saído da Venezuela, país que segundo a ONU não figura entre os produtores ou corredores da droga, mas que tem as maiores reservas de petróleo comprovadas do planeta.

Possivelmente inspirado na performance de Lyndon Johnson ao anunciar o “incidente no Golfo de Tonkin”, que não existiu mas serviu de pretexto para os EUA declararem guerra ao Vietnã, Trump disse teatralmente que “há pouco atacamos uma embarcação carregada de drogas, isso foi há momentos, há pouco (…) o embarque vinha da Venezuela. Muitas coisas estão vindo de lá”.

No caso de Tonkin, o falso enredo era de que os norte-vietnamitas teriam atacado um barco norte-americano; agora, um barco “venezuelano” é que foi atacado pelos norte-americanos, mas por uma boa causa, o “combate ao narcotráfico”. “Literalmente destruímos um barco. E vocês verão e lerão sobre isso. Isso aconteceu há alguns momentos”, insistiu Trump.

Pela sua rede Truth Social, ele asseverou ainda que o barco abatido era do grupo Tren de Aragua:  “O ataque ocorreu enquanto os terroristas estavam no mar, em águas internacionais, transportando narcóticos ilegais com destino aos Estados Unidos. A ofensiva resultou na morte de 11 terroristas. Nenhuma força dos EUA foi ferida nesta ação.” O Tren de Aragua é o mesmo grupo que ele alegou, na campanha presidencial, haver tomado o controle de uma cidadezinha do Colorado. A postagem de Trump foi acompanhada por um vídeo em preto e branco aparentemente realizado com equipamento de visão noturna de uma lancha veloz viajando com um número de ocupantes antes de repentinamente explodir e irromper em chamas.

Vídeo que foi denunciado prontamente como fake, forjicado com Inteligência Artificial, pelo ministro das Comunicações venezuelano, Freddy Ñañez, que citou laudo obtido por consulta ao Gemini, que teria identificado incongruências. Mas fake ou não, não muda essencialmente o caráter da provocação contra a Venezuela – até porque não haveria maior dificuldade para o Pentágono montar uma cena real com um barco e sua destruição no Caribe.

De acordo com o Miami Herald, Trump não apresentou detalhes sobre o tempo ou local do ataque, que, convenhamos, é muito estranho pois ao invés de abordarem o barco e prenderem a tripulação com as “muitas, muitas drogas”, destruírem as provas do crime do qual acusam a Venezuela.

AUTORIZAÇÃO DE USO DA FORÇA MILITAR PELO PENTÁGONO

Conforme o The New York Times, Trump assinou recentemente uma diretiva secreta do Pentágono autorizando o uso de força militar contra cartéis de drogas latino-americanos ali declarados organizações terroristas, em violação à soberania alheia e à Carta da ONU.

Não precisa ser nenhum gênio para perceber que não há como justificar o que é dito ser uma operação antidrogas necessitar de três destroieres com mísseis, um submarino nuclear, dois barcos anfíbios, dois aviões de patrulha naval P-8 e mais de 4.000 marines.

Ainda mais depois de Washington inventar um “Cartel de Los Soles”, cuja chefia tentou pespegar no presidente venezuelano Nicolás Maduro, segundo alucinou a porta-voz Karoline Leavitt. A seguir, em nova provocação, Rubio anunciou que estava dobrando, para US$ 50 milhões de dólares, a recompensa por “informações” que levassem à “captura de Maduro”, cujo endereço, como todos sabem, é o Palácio Miraflores em Caracas.

As fabricações de Washington entram em choque com relatórios da ONU sobre o tráfico de drogas na região, que assinalam que 87% das drogas com destino aos EUA partem da Colômbia, Equador e Peru no Pacífico – e não é lá que Trump ancorou sua armada. Os mesmos relatórios atestam que a Venezuela não possui nem plantações, nem laboratórios do tráfico. No mais recente relatório do DEA (a agência antidrogas dos EUA), a Venezuela não é sequer citada.

Como destacou o chanceler venezuelano Yván Gil, “a verdadeira eficácia contra o crime é alcançada pelo respeito à independência dos povos”. Ele destacou as conquistas da Venezuela no combate ao crime organizado desde a expulsão da Agência Antidrogas dos EUA (DEA) em 2005, o que inclui “prisões bem-sucedidas, desmantelamento de redes e controle efetivo de fronteiras e costas”.

Agora, Trump parece acreditar que uma fuleiragem como o Trem de Aragua funcionará como pretexto para a ressurreição da guerra das canhoneiras e da Doutrina Monroe, quando até ele, com seu slogan MAGA, admite a contragosto o declínio dos EUA em curso.

Pela dimensão da provocação, Trump continua inconformado de que a Venezuela não seja mais um rancho da família Rockfeller, e que nem com as drásticas sanções desencadeadas contra o país, inclusive o confisco da reserva de ouro em um banco inglês e o bloqueio ao sistema de pagamentos internacionais Swift, até a proibição de exportar petróleo, hajam conseguido impor como fantoche a Juan Guaidó ou, depois, à dupla Corina-Gonzáles. Além do apoio às tentativas de golpe.

No seu primeiro termo, no que tange à Venezuela não fora propriamente com drogas com que Trump ‘Drill, Baby, Drill’ se preocupara, mas com petróleo – justo ali do outro lado do Golfo, ele dizia, “é só chegar e pegar”. O que um ex-diretor-interino do FBI, Andrew McCabe, relatou em um livro, “The Thread”: “Por que não estamos em guerra com a Venezuela? Eles têm todo esse petróleo e estão na nossa porta dos fundos”.

Também é disso que se trata, segundo o presidente Maduro, ao apontar que “o verdadeiro interesse de Washington na Venezuela é o petróleo e gás que eles querem de graça. Esse petróleo não pertence a Maduro, muito menos aos americanos, ele pertence ao povo da Venezuela”. Ele chamou o envio dos navios de guerra norte-americanos à região de “a maior ameaça à América Latina do último século” e afirmou que a Venezuela não se curvará. “Se a Venezuela for atacada, passaria imediatamente ao período de luta armada em defesa do território nacional, da história e do povo venezuelano”, declarou.

CELAC REJEITA “LÓGICA DA INTERVENÇÃO” DOS EUA

Na véspera do incidente do Golfo do México, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) realizou virtualmente uma reunião de emergência sobre a ameaça da frota de guerra norte-americana nas costas venezuelanas, por iniciativa da Colômbia. “Rejeitamos a lógica da intervenção e reafirmamos a Carta das Nações Unidas”, afirmou a chanceler Rosa Yolanda Villavicencio. A plenária pediu a imediata retirada das tropas norte-americanas, apelou ao diálogo e reafirmou a região como uma Zona de Paz.

RÚSSIA E CHINA CONDENAM PROVOCAÇÃO DE TRUMP

Rússia e China também expressaram sua solidariedade à Venezuela, diante de uma ameaça que parece saída das páginas da Guerra Fria. “A América Latina e o Caribe não são quintal de ninguém”, declarou o porta-voz Guo Jiakun, ao responder a pergunta sobre declaração do comandante do Comando Sul dos EUA, almirante Alvin Holsey, acusando a China de “infiltrar-se e saquear recursos” de países do Hemisfério Ocidental.

Guo Jiakun instou os Estados Unidos a “deixar que os países da América Latina e o Caribe escolham sua própria maneira de atuar”, e frisou que “a cooperação entre a China e a América Latina não é dirigida contra terceiros e não deve ser interferida por eles. Os países da região têm o direito de escolher independentemente seus próprios caminhos de desenvolvimento e seus parceiros”.

Na segunda-feira (1), o embaixador venezuelano em Moscou Jesús Salazar Velásquez se encontrou com o vice-chanceler da Rússia, Serguei Riábkov. “A parte russa confirmou seu pleno apoio e solidariedade com as autoridades bolivarianas na proteção da soberania nacional e expressou seu enérgico rechaço ao uso de instrumentos de pressão política e de força contra Estados independentes”, disse o comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, país que é o fornecedor dos equipamentos militares mais avançados venezuelanos. No desfile dos 80 anos da vitória da União Soviética sobre o Nazi-fascismo, Maduro foi um dos convidados do presidente Putin.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *